quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A senhorita Simpson - Material de análise

A senhorita SimpsonSérgio Sant'Anna
A narrativa A Senhorita Simpson, de Sérgio Sant'Anna, foi publicada em 1989. A obra serviu de inspiração para o cineasta Bruno Barreto produzir "Bossa Nova", filme lançado em 2000.

O assunto deste conto envolve o choque de valores que se dá entre a puritana protagonista, que parece ter saído das páginas do romancista americano Henry James, e a burguesia carioca com quem convive nas aulas de inglês que ministra em Copacabana.

Em
A Senhorita Simpson o ponto de partida é um cursinho de inglês, o Piccadilly, que serve como motivo principal para a narrativa. As inter-relações vitais para o enredo vão surgindo como decorrência dos encontros noturnos para as aulas, tendo como narrador-protagonista Pedro Paulo Silva, um dos alunos da turma, 29 anos, funcionário-público no Tribunal de Justiça, separado da mulher, um casal de filhos, habitando sozinho um pequeno apartamento na Prado Júnior e profundamente envolvido com uma dependência por Valium, como soporífero, e por mulheres, como carência de afeto. De certa forma sugerindo em tom de paródia o tipo romântico: a crise existêncial, uma espécie de obsessão pelo encontro intermeada por um ligeiro temor, a fuga das responsabilidades 'morais' e a fragilidade das relações não duradoura.

A narrativa sugere um pequeno espaço brasileiro, essencialmente urbano: a zona sul da cidade do Rio de Janeiro, Copacabana, a classe-média, o inglês como língua de mercado e da moda, a mulher no trabalho, a separação conjugal, o misticismo oriental e a utopia da trilha pela Bolívia e Peru rumo a Cuzco e Machu-Pichu (roteiro seguido por tantos jovens da época). Tudo isto trabalhado com muita ironia e consciência crítica sobre o ato de narrar, por parte de um autor que certamente esteve no contexto, olhando desconfiado para alguns modelos, apreciando o sabor e a possibilidade do encontro e parecendo ter nunca se submetido ao vício.

Assim, mantendo-se fora do interior da narrativa, Sérgio Sant'Anna distancia-se do mundo de seu protagonista, não se identifica enquanto narrador e através da alteridade transfere para a personagem a vivência da história (em seu duplo sentido: ficção e experiências do passado). A intertextualidade metaficcional enquanto reflexividade consciente do papel da ficção na contemporaneidade, é feita através do 'pastiche' em relação às histórias do gênero "
meu tipo inesquecível", que aparecem na "Seleções do Reader's Digest", conforme apresentação feita na epígrafe da obra. E esse roteiro problematizador confunde-se com a própria narração enquanto técnica e modo de compor a narrativa. Como característica pós-modernista, no entanto, em tomo de uma superposição crítica e paródica, ficcional e historiográfica, Sérgio Sant'Anna procura reconstituir o estilo (gênero) ao invés da sensibilidade compositiva mais do que sob uma conceituação estética que privilegie o contexto puramente ideológico do discurso.

O gênero "
meu tipo inesquecível" instala-se na figura de Miss Simpson, faixa etária dos 40, sobrevivente de Woodstock, professorinha de inglês no Picadilly e que por um instante se converte na mãe desejada no auxílio geral e no sexo. E aqui também, como em toda história do gênero, aparece um final de "agradeço por tê-lo(a) conhecido", em deferência à importância da personagem narrada para a vida de quem com ele(a), de algum modo, um dia conviveu. Para o protagonista Pedro Paulo Silva, trata-se de Miss Simpson, que "lhe restará sempre na memória" enquanto forma de encontro necessário e vital.

Assim, como técnica de narração, o tema e o enredo parecem juntar-se enquanto arranjo de linguagem e artificio cênico da mera banalidade do ato de viver: a linguagem é simples, objetivando uma aceitabilidade fácil e sugerindo o efeito comum de representação da vida enquanto dissolução do cânone maior. Ao mesmo tempo, no entanto, realçando o caráter da importância do fato para o narrador que tem na vivência do texto elaborado um motivo a mais para viver. Como pretexto de ter o que contar e lembrar. Não importa que quem narre seja deveras um escritor (no sentido de autor em alto grau), mas um narrador cônscio da sua própria fragilidade, um que se identifica (ou pelo menos pode fazê-lo) com tantos outros que pretendem também participar da ação de terem um dia narrado. Desta forma, vivência e ficção se confundem já que o gênero "meu tipo inesquecível" reproduz a verossimilhança com o vivido. E diante da extinção na contemporaneidade da experiência de narrar", quando o ser humano está diluído no meio da multidão e se torna presa fácil da tecnologia, as vivências históricas (não mais experiências propriamente)" tornam-se ocasionais, dissolvidas nos fragmentos colhidos pelos meios de comunicação de massa. Este é o lugar da narrativas do gênero "meu tipo inesquecível": um último refúgio que possibilite às gerações terem ainda o que e onde contar.

O ponto de vista do narrador não é onisciente. Ele não mergulha na vida das demais personagens, que só se formam enquanto incursão cotidiana de relacionamento. Personagens opacas, portanto, sem aprofundamento psicológico. Apresentadas não em si mesmas, mas em relação às demais. Delas só se conhecem as superficialidades que estão presentes no contexto da ação. O próprio Pedro Paulo Silva é construído a partir de migalhas: pequenos detalhes aqui e ali. Assim, através de uma sugestão cênica fragmentada em episódios, o leitor vai se apropriando aos poucos de todo o enredo, o qual também é desprovido de profundeza. E as inter-relações pessoais no contexto da obra se esgotam rápido e fácil. O Piccadilly é quase que o único local de encontro. Nele os alunos da turma de Miss Simpson (sete no total) se conhecem e se entretêm como se fossem jovens adolescentes, possivelmente como um pretexto para o rompimento com o estado diurno do trabalho. As aulas noturnas de inglês funcionam, assim, como um espaço lúdico: próprio para o relaxamento e a desrepressão. Brincadeiras acontecem, num constante passar de bilhetinhos em classe, além das gozações mútuas.

Evidente que a trama maior se dá em tomo do narrador e protagonista Pedro Paulo Silva: seu relacionamento remoto com a ex-esposa Antonieta; sua visita ocasional aos filhos quando lhes conta estórias inventadas; seu ligeiro contato com o pai e amigo advogado, alcoólatra e depois suicida, que vive com a quarta mulher, Maria de Fátima (nome artístico: Mara Regina), num apartamento em Laranjeiras; seu distanciamento da mãe agora casada "
com um joalheiro careca e chatísismo"; seu encontro com o misterioso e suspeito Wan-Kim-Lau chinês, amigo de Antonieta, impregnado com a sabedoria oriental e professor de tai-chi-chuan numa academia; sua dependência por Valium antes de dormir e seu infatigável apetite sexual por mulheres movido por uma espécie de descontrole emocional baseado no desejo de livrar-se do tédio.

Em forma de flashes momentâneos, a ação e o cenário vão se compondo, quando a narrativa se propõe a realçar a similitude com as histórias do gênero "meu tipo inesquecível". Assim, o estilo é claro, sem maior ostentação retórica e técnica, a não ser pelo recurso utilizado na passagem em que Pedro Paulo Silva conta para o Gordo sua transa com Ana e o autor sobrepõe simultaneamente e de modo engenhoso três focos narrativos diversos. Também algumas frases de efeito aparecem: "
A gente sempre morre antes da última dose" (deixada pelo pai suicida dentro de uma "garrafa quase vazia", antes de se matar); "meu reflexo de passageiro da vida no espelho" (em conotação com a contemporaneidade); "a fragrância de um perfume na memória" (parecendo Marcel Proust); "o alvorecer das utopias" (em analogia ao sonho hippie); "A história se repetia como comédia; esperava-se que não se repetisse como tragédia" (parodiando Karl Marx).

No interior da narrativa uma proposta intertextual aparece enquanto uso constante de um inglês básico, que aqui e ali postula do leitor um mínimo de domínio. E esse cruzamento interlinguístico deriva do Picadilly, onde, através de Miss Simpson, Pedro Paulo Silva e o resto da turma preenchem o vazio de suas próprias histórias com as aventuras vividas pelos Dickinsons, Harrisons e Jones, personagens de uma outra história; o livro didático utilizado.

Por outro lado, as questões sociais e políticas são abandonadas ou, no mais, deixadas à imaginação do leitor enquanto apelo irônico; como exemplo, o episódio da greve no Piccadilly, ironizando maio de 68 e o movimento político brasileiro pós-64. O Matoso, um dos alunos da turma, é pego fumando
marijuana no banheiro da escola e um ruidoso Mr. Higgins, o diretor, pretende expulsá-lo pois, embora fosse uma droga leve e que "se disseminara por todas as escolas", conforme argumentara Miss Simpson assumindo a defesa dos alunos, em "- Escolas só de inglês, não -", receoso de que "se aquilo se tomasse um hábito", "o nome do Piccadilly (...) iria por água abaixo". Como se fosse um 'É proibido proibir' a greve então é proposta. No entanto não acontece; Miss Simpson convence o diretor.

Mas, tem-se a alusão a "
um marco histórico no movimento estudantil", ao "dinheiro da CIA no negócio"; o eco das "palavras liberty and democracy" e a ovação para que o protagonista Pedro Paulo Silva seja elevado à categoria de "líder revolucionário". A ironia se faz presente, então, de forma completa: em seu caráter ideológico contraditório, já que estabelece um vínculo com a história ao mesmo tempo em que sugere o tema como um passado perdido. Assim, o que ocorrera em termos reais até em desprendimento (enquanto abnegação = sacrifício dos próprios interesses em beneficio de uma causa maior) torna-se agora fragmentos do passado, memória apenas de uma vivência de se 'ter ouvido falar'.

A partir dessa analogia intertextual entre o passado e o presente, entre a novela e as histórias do gênero "meu tipo inesquecível", percebe-se na composição cênica de
A Senhorita Simpson a vida aparecendo como o grande intertexto. Já não mais em torno de um 'eu' utópico, indivisível e potente enquanto projeto "liberal humanista", mas de um 'eu' fragmentado e, de repente, se vê no vazio. Vale, então, a lembrança de 'roteiros', não mais como um enredo coeso em tomo de um princípio, um meio e um fim. Mas, enquanto possibilidade de apego a um presente de imagens meio-ambientais (natureza - indivíduo(s) - objetos) que se arranja ou se compõe como ajuntamento de estilhaços visuais: como "um tremendo pôr-do-sol sobre o mar de Copacabana", a "porta pantográfica" do elevador, ou os "reflexos luminosos que estampavam tonalidades fantasmagóricas na pele de Miss Simpson".

O arranjo cênico então sugere 'os olhos a se alimentarem de luz', fixos na possibilidade que o meio-ambiente oferece, uma vez que o passado virou migalhas e já não há mais experiências reais para se narrar: somente vivências ou lembranças momentâneas. Neste ponto, a intertextualidade entre ficção e historiografia propõe a reflexão de que todo o jogo político do passado foi apenas um modo de constructo ideológico enquanto jogo de poder. E a identidade histórica torna-se qualidade apenas narrativa, na arte da composição. Para Pedro Paulo Silva, esse recurso significa procurar a lembrança de seu 'tipo inesquecível' e, conforme sugere Walter Benjamin, "
começar tudo de novo", "contentar-se com pouco", operando "a partir de uma tábula rase'. E ele assim faz: fura uma das orelhas para "colocar nela um brinco dourado" e ao completar 30 anos estará deixando para trás não a sua juventude, mas a sua velhice, rumo à Bolívia, Peru, Cuzco e Machu-Pichu.A senhorita Simpson é o exemplo da terceira fase do autor, onde continua fazendo exercícios metalinguísticos, mas os subordina ironicamente à história que conta. A obra transgride as próprias "convenções" do autor: o diálogo é ágil, mais "realista", sem as massas verbais típicas da sua representação do mundo; há uma nitidez, uma luminosidade que atravessa a narrativa inteira; e, o mais significativo, no final da novela encontramos um dos raros momentos em que o narrador, com simplicidade, endossa o ponto de vista de seu personagem, entregando-se ao texto sem atravessá-lo de ironia: "Aos trinta anos, eu estaria deixando para trás não a minha juventude, mas a minha velhice".

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Gabarito - Simulado de literatura UESB

GABARITO DO SIMULADO (Uesb)

01) 02 
02) 04
03) 02
04) V-V-V-V 
05) 05
06) 05

Invenção de Orfeu - Jorge de Lima


INVENÇÃO DE ORFEU
Jorge de Lima

O projeto poético de Jorge de Lima, em Invenção de Orfeu, parece se revelar por meio da busca de algo inalcançável. A ilha como metáfora chave do poema está estreitamente relacionada à busca do poeta (do homem) por algo não acabado e não realizável: o absoluto, a felicidade plena, o resgate do tempo original após a Queda. A navegação empreendida pelo poeta é a mesma de cada ser humano no decorrer de sua própria vida, em busca de suas realizações íntimas e sociais. À busca pessoal, soma-se o caráter metalingüístico de Invenção de Orfeu. Nesse sentido, a vida e a obra caminham juntas, sem que seja possível separá-las; é por isso que em todo poema estão presentes tanto a geografia brasileira como a própria biografia do poeta, ambas amalgamadas no poema que explica a si próprio.
Como Orfeu despedaçado após o ataque das Menades, Jorge de Lima constrói seu poema através de fragmentos líricos, míticos, oníricos, históricos, biográficos, metafísicos, religiosos. Em busca de uma harmonia mítica, quer transformar o caos presente em um cosmos futuro, perspectiva esta que encerra todo o poema. Desejo utópico que percorre Invenção de Orfeu, situando-o no terreno do sonho. Numa espécie de eterno retorno, dado pela circularidade do poema e pela imagem da espiral do tempo e do espaço, o poeta tenta resgatar o início dos tempos a partir de metáforas referentes ao paraíso perdido e ao éden cristão, da memória infantil, do poder encantatório órfico e também do sonho, que se revelam por meio da linguagem renovada e das metáforas inusitadas, comparadas às do início da nomeação das coisas. Desse modo, o poema se compõe pelo cruzamento de temas e situações que reaparecem de várias formas ao longo de cada trecho.
Invenção de Orfeu apresenta-se, muitas vezes, de forma obscura justamente devido essa tentativa do poético reviver uma linguagem perdida há muito tempo, uma linguagem mágica cantada por um poeta ébrio, que se associa (de modo direto) à poesia moderna no questionamento que esta faz da linguagem usual. Nesse sentido, o poeta assemelha-se, muitas vezes, à figura do mago e do profeta, daquele capacitado a criar através de seus poderes mágicos um mundo e um poema redimensionado, que se aproxima da tentativa surrealista de dar corpo à utopia das palavras em liberdade. Isso prenuncia a essência poética intrínseca a todo homem.
De forma geral, podemos dizer que a utopia está na essência da literatura. É por meio da literatura que a utopia se assume como realidade palpável, seja como retorno ao passado, a um tempo e a um lugar de perfeição, seja como redimensionamento do tempo e do espaço. Mas é por meio da transfiguração da realidade que a utopia se apresenta de maneira mais direta nos textos. Assim, a utopia pode ser considerada imanente à literatura. Mas isso não quer dizer que a utopia literária seja apenas um veículo que, impreterivelmente, direcione o leitor e/ou o autor da obra literária a uma espécie de evasionismo do mundo real, levando ambos a uma alienação total do mundo. Ao contrário, esse utopismo proporciona uma percepção aguçada da realidade, revelando a sua imperfeição. E é por meio dessa idéia que podemos concluir que esta vida não basta e que precisamos almejar um mundo melhor, seja por meio da criação poética, seja pela transformação do próprio mundo. A partir dessa constatação, vemos que a utopia literária não se dá apenas no plano ficcional, mas é parte integrante da realidade concreta, apontando o desejo do encontro do homem com o sonho da perfeição.
O pensamento moderno criticou e deixou de lado o pressuposto cristão da conquista de um reino paradisíaco através da morte, ideologia que prometia o paraíso no além mundo. Esse pensamento dava ensejo à reconquista deste tipo de sociedade ideal através das revoluções no futuro próximo. O século XX se inspirou nos pensamentos do século XVIII, e suas utopias foram refletidas em nossas revoluções sociais. Após o reconhecido fracasso das tentativas modernas de instalar utopias por meio de horrores e/ou ditaduras, esse desejo utópico sofreu um significativo abalo. Nesse mundo conturbado, repleto de transformações sociais, avanços tecnológicos e altamente industrializado, onde há o apagamento do ser e a desumanização é a regra, Jorge de Lima paradoxalmente constrói seu poema a partir de uma série de características de forte apego cristão.
Desse modo, Invenção de Orfeu como representante legítimo da literatura moderna combate esta situação inaceitável espelhando sua realidade fragmentada, desprovida de valores e sem utopia. Assim, o poeta, em sua obra, aponta alguns caminhos para a reversão dessa situação através da emoção estética, da ampliação do imaginário humano, do redimensionamento do verbo, do sentimento de fraternidade, do auto-conhecimento e da visão crítica do mundo. Portanto, estas perspectivas valorizadas pelo poeta se apresentam como parte de um projeto utópico importante para que o homem não se sinta completamente perdido no caos do mundo.
O poeta presenciando as conturbações do século tende a se afastar da representação realista desse mundo partindo para uma perspectiva onírica e mítica na tentativa de recuperar a linguagem original e o paraíso perdido. O poeta se associará a um cristianismo primitivo, em que a solidariedade ao homem é a regra. Dessa maneira, o poeta também se associa aos preceitos da fraternidade universal preconizados pelas correntes revolucionárias deste século. Em Invenção de Orfeu, vemos um “modelo de sobrevivência” fundamentado na fraternidade universal buscado na linguagem do sonho, no mito, no amor, na esperança, no paraíso perdido, na linguagem do tempo da origem. O poeta é um ser que não se enquadra na sociedade de seu tempo, em que o seu valor primeiro é marcado pela desumanização e pela falta de solidariedade. Nesse mundo, o poeta encontra-se perdido e lança-se à busca do divino e do sobrenatural para tentar alcançar a paz. Mesmo assim, ele parece não conseguir o pretendido, pois é um ser constantemente atormentado.
A missão do poeta é resgatar a palavra originária degradada pelo decorrer do tempo histórico, juntamente com a degradação do homem. Desse modo, como é anunciado em seu canto primeiro, o poeta é um ser assinalado por Deus, que cumpre seu destino de ininterruptamente (noite e dia) amar e louvar a poesia “que é de aquém e de além-mar/a ilha que busca e o amor que ama.” Nesse sentido, Invenção de Orfeu apresenta-se com o poder revificador e libertador do mundo que se mostra hostil elevando-o de uma realidade mortal para um mundo liberto da temporalidade e do espacial, o mundo da ubiqüidade.
Em um mundo “sem cor”, o poeta reivindica um novo mundo, uma idade de ouro, da época da inocência e de uma ordem mítica para se integrar novamente a natureza e à plenitude. Sua imaginação flui na busca desse mundo renovado e metafísico que dialeticamente se relaciona com o mundo sensível, orientado para uma sensibilidade nova, superior ao mundo restrito do racional. Desse modo, o poeta aumenta o campo de sua atuação e passa a estabelecer contato com o universal e o cósmico. Para isso, ele se utiliza do mítico, do sonho e da memória da infância na tentativa de reelaborar o caos do mundo presente em um novo cosmos.
É nesse sentido que a poesia de Jorge de Lima constrói sua epopéia moderna em que o nauta está em busca de um ambiente purificado. Para atingi-lo, em seu percurso, estabelecem-se lutas com o trágico e com o tormentório, elementos próprios do mundo moderno que o poeta não pode deixar de enfrentar. Mas sua poesia só será viável se o poeta encontrar uma nova forma, uma ordem pessoal consubstancial ao poema. Para realizar esse projeto, o poeta já não pode se deter em descrições e narrativas históricas, mas sim apelar para o plano do maravilhoso. O poeta moderno quer substituir este mundo presente por outro, “mais verdadeiro, que seja como a síntese confusa de seus desejos e venham abrandar um instante uma sede do absoluto que às vezes se ignora e se perde em aventuras estranhas.”

Texto de Luciano Marcos Dias Cavalcanti

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Essa terra - Questões


Vagaroso e solitário, o Junco sobrevive às suas próprias mágoas, com a certeza de quem já conheceu dias piores, e ainda assim continua de pé, para contar como foi. Em 1932, o lugar esteve para ser trocado do estado da Bahia para o mapa do inferno, na pior seca de que já se teve notícia por essas bandas, hoje reverenciada em cada caveira de boi pendurada numa estaca para dar sorte. (...)
Ora vejam bem: nossos avós tinham muitos pastos, nossos pais tinham poucos pastos e nós não temos nenhum.
(...) Nelo descobriu que queria ir embora no dia em que viu os homens do jipe. Estava com 17 anos. Ele iria passar mais três anos para se despregar do cós das calças de papai. Três anos sonhando todas as noites com a fala e as roupas daqueles bancários — a fala e a roupa de quem, com toda certeza, dava muita sorte com as mulheres.
Antônio Torres. Essa terra. Rio de Janeiro: Record, 2005, p.15 e 18.

Questão 01 - Com base nos fragmentos de texto selecionados do romance Essa terra, julgue os itens a seguir.
a)    a) Os fragmentos narrativos seguem a ordem cronológica dos fatos, começando em 1932 e terminando com a saída de Nelo do meio rural.
b)    b) Depreende-se do primeiro parágrafo que o Junco é reverenciado, no presente, por sua resistência à seca.
c)     c) No romance Essa terra, a forma fragmentada de narrar corresponde à história que é narrada: a fragmentação do mundo dos sertanejos e a desagregação da família do personagem-narrador, Totonhim.
d)     d) O personagem Nelo personifica a tese central do romance: pela migração para os grandes centros urbanos, o sertanejo pode superar o atraso e a miséria do sertão.
e)    e)  Embora retome o tema da seca no sertão, central na ficção regionalista brasileira, Essa terra é considerado um romance urbano porque justifica a miséria do sertanejo não pelas condições climáticas e geográficas, mas pela expansão do modo de produção capitalista e da especulação financeira em todo o país.

Questão 02 - Considerando os aspectos morfossintáticos dos trechos acima, julgue os próximos itens.
a)      a) A gradação “muitos pastos”, “poucos pastos”, “nenhum”, associada às três gerações, avós, pais e filhos, reforça a referência a “mapa do inferno”.
b)      b) A expressão “se despregar do cós das calças de papai” está empregada em sentido conotativo.
c)       c) Em “Três anos sonhando todas as noites”, a expressão sublinhada corresponde ao sentido de toda noite, mas não, ao de toda a noite ou a noite toda.
d)      d) O termo “daqueles bancários” retoma, por coesão, a expressão “os homens do jipe”.
e)      e) No último parágrafo, o travessão foi empregado para indicar a ocorrência de discurso direto

Repetia docemente as palavras de sinhá Vitória ... e andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias ... chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. (RAMOS,1941)
Cresce logo, menino, pra você ir pra São Paulo! (TORRES, 2001).

Questão 03 - Comsidere os fragmentos e a leitura dos romances de que fazem parte para marcar a alternativa incorreta:
a)      a) Tanto sinhá Vitória quanto a mãe de Nelo, deixam subjacente a compreensão de que seus sonhos só seriam possíveis de se concretizarem em uma cidade grande
b)      b) Igual a sinhá Vitória do romance Vidas Secas, a mãe de Nelo repetiam como ladainha religiosa o que desejavam e pensavam dos filhos.
c)      c) Ambos os textos delineiam o Sul como lugar de esperança e sobrevivência para os nordestinos flagelados da seca e da exploração
d)      d) O sul é representado como terra de avanços e civilização.
e)      e) Nos dois romances os personagens migram em função da miséria e se perdem na grande metrópole do país, sem retorno à suas terras.

Nelo descobriu que queria ir embora no dia em que viu os homens do jipe. Estava com 17 anos. Ele iria passar mais três anos para se despregar do cós das calças de papai. Três anos sonhando todas as noites com a fala e as roupas daqueles bancários ? a fala e a roupa de quem, com toda certeza, dava muita sorte com mulheres. (TORRES, 1976, p. 11)
Questão 04 - Do texto acima é possível inferir que o desejo de Nelo de deixar sua terra:
a)     a) Foi motivado pelo jipe, pois possibilitaria o transporte necessário.
b)     b) Foi planejado com o raciocínio durante três anos
c)     c) Era mootivado principalmente pelas mulheres que poderia conhecer
d)     d) É alimentado pelo poder e elegância que os bancários inspiravam.
e)     e) Foi interditado pelo pai durante três anos

Quem não mudou em nada mesmo foi um lugarejo de sopapo, caibro, telha e cal, mas a questão agora é saber se meu irmão ainda lembra de cada parente que deixou nestas brenhas, um a um, ele que, não tendo herdado um único palmo de terra onde cair morto, um dia pegou um caminhão e sumiu no mundo para se transformar, como que por encantamento, num homem belo e rico, com seus dentes de ouro, seu terno folgado e quente de casimira, seus Ray-bans, seu rádio de pilha — faladorzinho como um corno — e um relógio que brilha mais do que a luz do dia. Um monumento, em carne e osso. O exemplo vivo de que a nossa terra também podia gerar grandes homens — e eu, que nem havia nascido quando ele foi embora, ia ver se acordava o grande homem de duas décadas de sono, porque o grande homem parecia ter voltado apenas para dormir. (ET, p.10)

Questão 05 - Sobre o texto acima, assinale o que não  for correto:
a)       a) O fragmento textual mostra como a projeção de uma vida bem sucedida encontra-se no romance apropriada pela efetivação do poder de aquisição de bens materiais.
b)       b) O Junco faz o herói adormecer, o sono de Nelo é mórbido e Totonhim o pressente.
c)       c) Nelo caiu nas malhas da sedução metropolitana admirado por sua moda e sua tecnologia.
d)       d) O narrador expressa grande ressentimento por não ter conseguido os bens e a mesma posição do irmão que agora lhe parece “faladorzinho como um corno”
e)        e) O texto é marcado por uma linguagem fragmentada e irônica.

Aqui vivi e morri um pouco todos os dias.
No meio da fumaça, no meio do dinheiro.
Não sei se fico ou se volto.
Não sei se estou em São Paulo ou no Junco
”. (TORRES,1976, p. 63)

Questão 06 - A cantiga de Nelo acima, expressa:
a)      a) Acomodação ao ambiente
b)      b) Melancolia bucólica
c)      c) Profunda crise de identidade
d)      d) Ganância capitalista
e)      e) Perda da memória afetiva

Questão 07 - Das alternativas abaixo, assinale a que for incorreta:
a)      a) Ao retornar, Nelo tem a consciência de que o seu desenraizamento já não lhe permitiria a re-integração à terra natal.
b)      b) A fragmentação da estrutura do romance igualmente refrata e reflete a identidade fragmentada dos personagens
c)      c) Os personagens de Essa terra fracassam por causa de uma realidade complexa e esmagadora que não conseguem compreender,
d)     d) Junco e São Paulo estão adornados na memória de Nelo e ligados entre si pela desilusão, pelo fracasso e sofrimento.
e)      e) Nelo fraqueza em voltar para a sua terra natal, pois já havia se firmado no trabalho e constituído família.

— Qualquer pessoa deste lugar pode servir de testemunha. Qualquer pessoa com memória na cabeça e vergonha na cara. Eu vivia dizendo: um dia ele vem. Pois não foi que ele veio?
— O senhor está com razão.
— Ele mudou muito? Espero que ao menos não tenha esquecido o caminho lá de casa. Somos do mesmo sangue.
— Não esqueceu, não, tio — respondi, convencido de que estava fazendo um esclarecimento necessário não apenas a um homem, mas a uma população inteira, para quem a volta do meu irmão parecia ter mais significado do que quando dr. Dantas Júnior veio anunciar que havíamos entrado no mapa do mundo, graças a seu empenho e à sua palavra de deputado federal bem votado.
(ET, p. 10)

Questão 08 – Assinale a alternativa que interpreta incorretamente o texto acima:
a)      a) A chegada de Nelo é sinal de mudança para os habitantes
b)      b) A volta dele é esperada não só pelo parente, mas também pela população da cidade.
c)      c) O tio acusa o sobrinho de não ter vergonha na cara, por esquecer de cumprimentá-lo.
d)      d) O povo do Junco era vítima do sensacionalismo político.
e)      e) A inscrição da cidade no mapa não parece ter valor absoluto para os moradores.

A alpercata esmaga minha sombra, enquanto avanço num tempo parado e calado, como se não existisse mais vento no mundo. Talvez fosse um agouro. Alguma coisa ruim, muito ruim, podia estar acontecendo.
—Nelo — gritei da calçada. [...]
Não ouvi o que ele respondeu, quer dizer, não houve resposta. Não houve e houve. Na roça me falavam de um pássaro mal-assombrado, que vinha perturbar uma moça, toda vez que ela saía ao terreiro, a qualquer hora da noite. Podia ser meu irmão quem acabava de piar no meu ouvido, pelo bico daquele pássaro noturno e invisível, no qual eu nunca acreditei. Atordoado, me apressei e bati na porta e bastou uma única batida para que ela se abrisse — e para que eu fosse o primeiro a ver o pescoço do meu irmão pendurado na corda, no armador da rede.
(ET, p. 12)

Questão 09 – Pela leitura do texto acima é possível inferir que:
a)    a) O narrador pressente o triste evento em razão da sua crença nos mitos religiosos de sua terra
b)    b) O texto se baseia no contraste estabelecido pela serenidade em que se encontrava o pensamento do narrador e a agonia provocada pelo acontecido.
c)    c) O narrador se encontra em estado de desolação, o que se traduz na forma fragmentada do seu discurso.
d)    d) O narrador corre apressado para casa pois sabia exatamente o que estava acontecendo.